terça-feira, fevereiro 28, 2006

Soundtrack

"Brokeback Mountain - Original motion picture soundtrack" by Gustavo Santaolalla.

A sequência de canções apresentada na banda sonora do filme “Brokeback Mountain”, a cargo de Gustavo Santaolalla, em nada evoca a estrutura narrativa do filme, o que pode fazer torcer o nariz aos ouvintes que defendem que o objectivo das bandas sonoras deve ser esse. De facto, não deixa de ser estranho quando se entra em contacto com a sequência escolhida, visto que a evocação de sentimentos que no filme seguem uma sequência lógica surgem desta feita dispersos e desconexos à memória. O problema é no entanto facilmente resolvido com uma programação ao leitor de cd’s que siga a sequência que se ouve no filme, e que ignore a música “I will never let you go” com a prestação vocal de Jackie Green (que não deve ser ignorada noutro tipo de audições), que não se ouve no filme; e que pode ainda ignorar a versão de “King of the road”, original de Roger Miller, aqui interpretada por Teddy Thompson & Rufus Wainwright, e que não é a versão que aparece no filme. E já que se fala em Rufus Wainwright aproveita-se para se referir a estranha escolha (e insistência) do cantor nesta banda sonora; tanto foi estranho aquando da apresentação dos créditos finais ouvir “The maker makes”, como no disco deparamo-nos novamente com ele na referida versão; o artificialismo barroco das suas prestações vocais em nada vai de encontro à pureza, simplicidade e emotividade evocada por excelência no filme e na banda sonora (é claro que o facto de ser um cantor homossexual assumido, com um reconhecimento e aceitação considerável por parte do “mainstream”, pode ter influenciado a inconsequente escolha).
Visto que a banda sonora em questão não tem portanto a função primordial de evocar uma estrutura previamente considerada, espera-se então que ela consiga viver e respirar de forma independente do filme. Isso sim, é conseguido. Trata-se de um belo conjunto de canções, harmoniosamente compostas na sua grande maioria por Gustavo Santaolalla, compositor que fez uma escolha refinada de músicos (de interesse) da música Country para as vocalizar. Em “That never grow old”, onde se ouve uma grande prestação vocal de Emmylou Harris, e em “No one’s gonna love you like me”, com voz de Mary McBride, fala-se de amor; do amor romântico como sendo o único possível, o único com significado. Em “The Devil’s right hand”, onde se ouve Steve Earle, “It´s so easy”, de Linda Ronstadt, e em “An Angel went up in flames”, interpretado por The Gas Band, deixa-se vir ao de cima a euforia hormonal temperada com uma ingénua emotividade infantil. Há ainda tanto o magnífico “score” como a bela versão de “He was a friend of mine” de Bob Dylan, aqui vocalizada por Willie Nelson, que evoca serenamente o destino dos dois vaqueiros da história.
A presente banda sonora trata-se assim de um bom meio para se entrar em contacto com alguns dos brilhantes músicos que se inserem num género que é por excelência olhado de soslaio pela comunidade urbana, que pode agora aproveitar para se desenvencilhar desse ridículo preconceito. (8/10)

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Arte que alcançou o 7º lugar

Aquando da análise de uma obra por parte de um crítico convém que o faça de modo a conseguir expor lucidamente e ludicamente, aquilo que a obra pode representar. Ou seja, tenta-se explicar, dentro do possível, o motor impulsionador de uma possível e vasta abordagem de sentimentos que podem ser despoletados; não descartando nunca a hipótese da obtusidade de espírito em que o crítico se pode encontrar nas primeiras vezes que entra em contacto com a obra, o que neste caso acaba por em nada a engrandecer. No entanto quando a obra é capaz de devolver logo à partida, de forma intensa, aquilo que se diz que é capaz de provocar, aí a análise é por excelência mais emocionada, mais empenhada; pois o entusiasmo é por excelência superior. Esta breve explicação serve para, em parte, explicar a forma de como em seguida se fala da experiência tida com o filme “Brokeback Mountain”, pois o escriba deste texto foi trespassado de todo pelo dito filme, e a única abordagem que lhe resta é a de o criticar como um dos melhores filmes que já viu.


"Brokeback Mountain" by Ang Lee.

Tudo no filme parece merecer os parabéns e o facto de se integrar no género mais que formatado do drama/romântico (“rótulo” que lhe fica melhor que “Western Gay”) em nada prejudica a sua visualização, pois a sensibilidade com que é retratada a história apenas engrandece o género e faz dele, de novo, uma possível abordagem nobre, épica e emocional; com a capacidade de edificar um monumento ao amor.

Dê-se então mais concretamente os parabéns a quem os merece. Para começar eles vão para Annie Proulx (vencedora de um prémio Pulitzer pelo livro “The Shipping News”, também já adaptado para o cinema), que num conto escrito para a revista New Yorker, condensou em algumas páginas uma história de amor, iniciada em 1963, e que durou cerca de vinte anos, de dois vaqueiros de Wyoming; abalando assim todo o mito que sustenta o “Marlboro Man” na sua heterossexualidade irredutível.
O conto é posteriormente adaptado por Larry McMurtry e Diana Ossana, também eles de parabéns, no argumento que sustenta o filme; argumento esse que não necessita de mais nada, e de nada se lhe tirar também, e que retrata exemplarmente a relação dos vaqueiros em questão, Ennis del Mar e Jack Twist, que após terem passado uma temporada no sítio de Brokeback Mountain e após seguirem em separado as suas vidas, são impulsionados por algo que não controlam a encontrar-se irremediavelmente, de forma pontual, durante os tais vinte anos. Esses vintes anos são preenchidos pelo vazio de outras relações (que embora possam também elas ter o seu brilho particular, são sempre ofuscadas por aquela em que os dois vaqueiros se envolveram). Assim, ambos os vaqueiros constroem uma família, que no caso de Ennis del Mar é feito de acordo com as suas convicções, daí a grandiosidade do amor paternal ser tão evidente neste caso, e que no caso de Jack Twist é simplesmente por uma acaso do destino e devido às circunstâncias de viver numa época conservadora. É também toda uma geração conservadora que é exposta neste argumento, por excelência incapaz de compreensão perante a relação dos dois jovens, devido aos valores familiares considerados de então; sendo assim alvo de uma crítica mordaz, feita no entanto de forma lúcida, sem julgar explicitamente, daí que paire também por ali a tentativa de compreensão do incompreensível; sendo que os escassos minutos suportados na recta final do filme pelos pais de Jack Twist, condensam em si toda essa diversidade de sentimentos que toda a geração em causa pode sentir.

Antes de se passar a falar do desempenho dos actores dá-se ainda os parabéns à fábrica de filmes de Hollywood que, finalmente, parece estar a perder o pudor e o receio de abalar os alicerces de uma América conservadora, tal como o bom cinema Americano independente tem vindo a fazer desde sempre, e financiou o realizador Ang Lee com uma quantia considerável de alguns milhões de dólares (13 para se ser mais concreto) para poder pegar nesse argumento e realizar este magnífico filme.


Jake Gyllenhaal

Uma mais valia do filme é então o desempenho dos actores secundários, nunca sobressaindo em relação aos protagonistas, pois não são eles o centro das atenções, mas que o poderiam ter sido se a actuação dos actores principais falhasse. Não é o caso, mas também eles merecem os parabéns, pois em “Brokeback Mountain” todos os actores estão embutidos da arte de bem representar, possuindo a intensidade de representação que lhes é requerida para cada uma das situações em que se encontram.
E claro, sendo Jake Gyllenhaal e o australiano Heath Ledger quem desempenham impecavelmente os papéis principais, o centro das atenções vai em grande parte para eles, principalmente quando empenho do último tem a capacidade de criar um dos maiores ícones românticos do cinema. Gyllenhaal e Ledger são dois dos jovens actores “bonitos” de uma Hollywood, que tem explorado o segundo de forma bastante inconsequente, que vêm agora, mais que nunca (mesmo que Gyllenhaal tivesse sido a figura central de Donnie Darko), todas as atenções viradas para eles com toda a razão de assim o ser. Para começar a beleza física de ambos é um meio de fazer o espectador sentir-se atraído pelas personagens, sendo constantemente confrontado com uma sensualidade gratificante. Depois é vê-los a desempenhar exemplarmente grandes interpretações quando confrontados com personagens que vivem uma relação isolada do resto do mundo, vê-los incrivelmente vulneráveis a desafiar todos os cânones impostos pela sociedade; e simultaneamente vê-los a mover-se num quotidiano vivido de acordo com as convicções de cada uma das personagens. Muito bem rapazes, estão de muitos parabéns…


Heath Ledger

Como não poderia deixar de ser os parabéns finais vão para o realizador Ang Lee. As questões técnicas de enquadramento das personagens no meio em que se movem, é feito perfeitamente, assim como a filmagem dos planos que espelham a grandiosidade da paisagem que serve de pano de fundo. Realce ainda para o jogo de luz utilizado, resultando numa técnica eficaz para apenas se mostrar o que é essencial. E mostrar o essencial, sem uma visão moralista, é de facto aquilo que melhor fez o realizador, não caindo em sentimentalismos desmesurados desnecessários. Filmou com maturidade invejável, capaz de desligar o espectador da sua vida terrena para lhe proporcionar uma experiência de grandiosidade superior; confrontando-o com a questão de que quando se vive uma história como a retratada, é-se capaz de elevar o espírito a um conforto tal que toda uma vida parece encontrar justificação na vivência de algo de tal modo arrebatador e comovente. (10/10)


Ang Lee



[TRAILER]



[Clip: Is Alma Here?]



[Clip: You Know That Girl?]



[Clip: You Dont Go There To Fish]