quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Leituras entre lençóis


“Lunário” by Al berto

Alberto Raposo Pidwell Tavares nasceu em Coimbra em 1948 e morreu em Lisboa em 1997. Ficou conhecido por Al Berto e alcançou o estatuto de ser um dos mais importantes poetas da sua geração assim como um dos mais originais. Foi possuidor de um universo com características muito próprias, onde a ideia da transgressão e do interdito servem como impulsionadores para vivências eróticas, não é assim de estranhar que “Lunário” (1988) tenha na sua génese essa matéria.
Encontramo-nos perante o relato das recordações de Beno através de uma ausência de linearidade temporal onde tudo parece passar rapidamente, uma vez que não é o tempo real que aqui passa mas sim o da memória. Recorda-se a vida daqueles que o marcaram, através da exposição da matéria de que são feitas as relações humanas. Com eles pôde alucinar sobre o amor, observar os instintos que caracterizavam cada um, estabelecer cumplicidades, ter diálogos secretos, conformar-se com os rumos que tomaram e reter na sua memória as despedidas derradeiras. Num mundo que desconhece a luz do dia, repleto de bares (aonde paira no ar o som dos Velvet Underground misturado com o ruído da multidão), onde circulam rapazes e travestis em ruas longas; tudo isso sob o efeito do álcool e de erva num jogo em que ninguém acaba por ficar com quem deseja. (9/10)


“… O que Al Berto traz de novo à literatura portuguesa, a novidade da sua obra, é o lampejo de uma identidade queer capaz de nos dar, no fio da navalha, o quotidiano daqueles que foram excluídos dos sucessivos patamares das categorias sociais.(…) Com Al Berto, a cena é brutalmente desviada dos campos de representação tradicionais (aristocracia rural, meio artístico, profissões liberais, pequena-burguesia urbana) para territórios de fronteira até então interditos: delinquência juvenil e pessoal hippie ou aparentado, todos irmanados sob o manto pouco diáfano da doutrina, ou atitude (mais esta do que aquela), dos gender fuckers. Ou seja: o homossexual como espécie. Foi desse modo que a condição homossexual se autodeterminou literalmente em Portugal…”

Eduardo Pitta in Fractura – A condição homossexual na literatura contemporânea portuguesa.


Fotografia de Al Berto da autoria de Paulo Nozolino.