sexta-feira, setembro 15, 2006

Cartas a um jovem poeta (passagem)

“Amar é bom, também, sendo o amor difícil. Pois um ser humano amar outro é talvez a nossa tarefa mais difícil, a última, a última prova ou teste, a obra para a qual todas as outras não passam de ensaios. Por esta razão os jovens, que são principiantes em tudo, não podem conhecer o amor: têm de o aprender. Com todo o seu ser, com todas as suas forças, unidos à volta do seu coração sozinho, tímido e acelerado, têm de aprender a amar. Mas o tempo de aprendizagem é sempre um tempo longo e isolado, e assim, amar por muito tempo no decurso das suas vidadas é solidão, intensificada e profunda solidão para aquele que ama. O amor não é no inicio algo que precise de fusão, de entrega, de união com o outro, (pois o que seria uma união se algo pouco claro e inacabado, ainda subordinado?) é um forte indicio do amadurecimento do individuo, que se torna algo dentro de si, que se torna mundo, que se torna mundo para si em função do outro, algo que faz dele a escolha e o chama para muitas coisas. Apenas neste sentido, com a tarefa de o trabalhar (“escutando e martelando dia e noite”), podem os jovens usar o amor que lhes é dado. Fundirem-se e renderem-se e todo o tipo de comunhão não é para eles (que devem poupar e juntar durante muito tempo ainda), é o último, é talvez aquilo por que a vida humana não é suficiente.
Mas os jovens erram com tal frequência e com tanta gravidade nisto: que eles (de cuja natureza faz parte a impaciência) atiram-se uns aos outros, quando o amor deles se apropria, espalham-se tal como são, com toda a sua desorganização, confusão... e depois? O que deve fazer a vida a este monte de existências meias baralhadas que eles chamam comunhão e que de bom grado eles chamaria felicidade, e se possível o seu futuro? Assim, cada um perde-se graças ao outro e perdem os outros e os muitos outros que ainda estão para vir. E perdem as possibilidade, trocam a proximidade e a fuga das coisas divinas e ternas por uma perplexidade estéril, da qual nada pode nascer, nada a não ser uma ligeira repulsa, desilusão e pobreza, e refugiam-se numa das muitas convenções que se criaram em grande número como refúgios públicos espalhados ao longo da estrada perigosa. Nenhuma dimensão da experiência humana está tão bem fornecida de convenções como esta; preservadores de vida das mais variadas invenções, aqui se encontram os botes salva vidas; a concepção social conseguiu fornecer abrigos de toda a espécie, pois com está disposta a tirar a vida-amor como um prazer, tem também de lhe emprestar uma forma fácil, barata, segura e certa, tais como os prazeres públicos.”

by Rainer Maria Rilke in “Cartas a um jovem poeta” traduzido por Mafalda Ferrari.