domingo, maio 01, 2005

Excertos


"She Wolf" by Jackson Pollock

“A interpretação dá por assente a experiência sensorial da obra de arte, e usa-a como ponto de partida. Hoje, não se pode dar por assente. Basta pensar na mera multiplicação de obras de arte disponíveis para cada um de nós, a juntar-se aos sabores, odores e visões contrastantes do ambiente urbano com que os nossos sentidos são bombardeados. A nossa cultura está baseada no excesso, na sobreprodução; o resultado é uma gradual perda de agudeza da nossa experiência sensorial. Todas as condições da vida moderna – a sua abundância material, a sua fraca aglomeração – conjugam-se para amortecer as nossas faculdades sensoriais. E é à luz das condições dos nossos sentidos, das nossas capacidades (e não das de outra época), que se deve determinar a função crítica.
O que é importante hoje é recuperar os nossos sentidos. Temos de aprender a ver mais, a ouvir mais, a sentir mais.
A nossa tarefa não é descobrir numa obra de arte o máximo de conteúdo, e ainda menos espremer mais conteúdo de uma obra do que aquele que já lá está. A nossa tarefa é reduzir o conteúdo de modo a podermos ver realmente o que lá está.
O objectivo de qualquer comentário sobre arte deveria ser nos nossos dias tornar as obras de arte – e, por analogia, a nossa própria experiência – mais, e não menos, reais para nós. A função da crítica devia ser mostrar como é o que é, ou mesmo que é o que é, em vez de mostrar o que significa.”

by Susan Sontag in “Contra a Interpretação e outros ensaios”; tradução de José Lima.