quarta-feira, julho 26, 2006

Harmonias

Nos dias que correm, quando se ouve mencionar um álbum que experimenta uma abordagem do Jazz fundido com música electrónica a atitude mais provável a ter perante a obra será a indiferença. Não é pois de admirar a postura, por se tratar dum meio que foi explorado em excesso e de onde advieram cada vez mais abundantemente resultados catastróficos. É assim com agradável surpresa que se recebe os recentes “Scale” de Herbert e “The Ballad of Den the Men” de Wise in Time, por serem capazes de reanimar o género partindo exactamente do ponto aonde as cabeças pensantes por trás dos projectos o tinham deixado, levando-o mais além utilizando precisamente a mesma técnica de sempre, um olhar inteligente no passado aditada de uma abordagem tecnológica - cada vez mais requintada e refinada - de uso habitual na arte destes criadores; apresentando assim duas obras lúdicas na adopção de soluções viáveis que cada vez mais parecem uma sugestão que uma concretização por parte dos seus contemporâneos.

“The Ballad of Den the Men” by Wise in Time.

Antes de mais apresente-se o responsável pelo projecto Wise in Time: é ele Ian Simmonds. Isso poderá dizer muito se se pensar em “Return to X”; ou, enquanto Juryman, em “The Hill” (álbum com parte das vocalizações a cargo de Alisson Goldfrapp). Poderá ainda dizer nada; e das duas uma, ou por não ser um músico comummente conhecido ou então se a aproximação que se fez a ele foi através de algum dos outros álbuns que criou; não por serem maus, mas por não serem de todo indispensáveis. O presente projecto nasceu da união do músico com outros quatro - de Jazz, de origem Alemã - que o auxiliaram na feitura de mais uma obra relevante, ao nível das enunciadas acima.
A técnica de Ian Simmonds está cada vez mais cuidada e sobretudo cada vez mais fluida na exploração de um universo enublado pela contemporaneidade urbana, embutido da irreverência do Jazz e trespassado por um olhar bucólico - apresentado enquanto hipótese de refúgio. Para além disso a sua voz mostra-se mais veemente que nunca, e repleta de originalidade na citação das sofisticadas lenga-lengas inventadas.
É um grande álbum, como só Ian Simmonds tem a capacidade de conceber quando é assaltado pela inspiração, e quando isso acontece vale muito a pena prestar-lhe atenção. (9/10)

“Scale” by Herbert.

Herbert é um dos poucos músicos que tem vindo a operar uma autêntica revolução musical na presente década e isso enquanto explorador da história do Jazz. Ou seja, aborda o género nas diversas metamorfoses que este foi tomando, desde a sua criação, durante a sua época de oiro e ao longo do restante século XX; ou não fosse o Jazz ter a capacidade de se permutar e redefinir-se em várias vertentes... mostrando-se jubiloso nessa sua capacidade para se transformar. E, até à chegada e implementação da tecnologia no seio musical, já o Jazz tinha experimentado muitas redefinições. É na aproximação a cada um dos diferentes rumos tomados pelo género que Herbert – que conhece bem a história do Jazz - parece buscar a sua inspiração sempre que apresenta um novo álbum, adicionando-lhes a sua electrónica de ritmos minúsculos e “samples” desencantados de onde menos se espera – urnas inclusive –; prática que assim o auxilia na sua reinvenção constante enquanto criador. É claro que, se não fosse a sua genialidade e emotividade enquanto músico, a ideia seria decerto arrasada mesmo antes de tomar forma.
Quem ainda ajuda Herbert na sua investida musical é indubitavelmente a vocalista Dani Siciliano, esta é capaz de surpreender tanto como o artesão musical; oiça-se as novas soluções adoptadas nas vocalizações e pasme-se por ser capaz de apresentar novos registos, nunca explorados até à data; que são tão estimulantes e surpreendentes como aqueles que já lhe conhecíamos. Porém, não é só a voz de Dani Siciliano que é admirável em “Scale”; existem também as brilhantes colaborações de Dave Okumu (dos Jade Fox) e de Neil Thomas; a contribuir no rendilhado de vozes que se cruzam, que se rendem e que cantam em uníssono em grandiosas apoteoses vocais; equiparadas à mestria das prestações dos vocalistas dos Two Banks Of Four.
“Scale” merece ser um objecto de devoção, é imenso em todos os sentidos e uma grande homenagem a todos os envolvidos, assim como ao Jazz electrónico. (9,5/10)