sexta-feira, julho 08, 2005

Leituras entre lençóis


“A laranja mecânica” by Anthony Burgess
tradução de José Luandino Vieira

“O que é que define um Homem bom? É bom o homem que escolhe o bem ou aquele a quem o bem é imposto? Não será o homem que escolhe o mal de alguma forma melhor do que aquele que faz o bem porque não tem escolha?”

“A laranja mecânica” retrata um universo onde a violência se transformou num hábito. Os adolescentes, que crescem rodeados por essa violência, juntam-se agora em grupo para aterrorizar, de todas as formas possíveis, uma Londres situada algures no futuro. Alex, o narrador do romance, é um desses jovens que um dia é traído pelos do seu grupo e que fazem com que ele seja preso. Na prisão Alex experimenta um novo tipo de violência; uma violência legal, institucionalizada, que o usa como um objecto num tratamento que o condiciona a recusar qualquer tipo de violência.
Publicado em 1962, este livro foi escrito em “nadescente”, a língua que Burgess inventou para as suas personagens, e embora seja uma ideia notável, as várias dezenas de vocábulos gerados (que até podem resultar bem no original visto que por vezes são criados através do alargamento semântico de termos de gírias e calão da língua inglesa) tornam-se um pouco incómodos para o fluir da leitura na tradução portuguesa, no entanto muitas das vezes fazem com que seja suficientemente divertida:

“«E agora?»
Estava eu, eu quer dizer Alex, e os meu três drucos, quer dizer Pete, Georgie e o Tapado, totalmente tapado este Tapado, sentados no milquebar Korova, puxando pela rassudoca sem saber que fazer da noite, uma sacana de noite negra de Inverno, muito fria mas seca. O milquebar Korova era um desses mestos onde se tomava leite-e-etc, e talvez se tenham esquecido, irmãos, de como eram esses mestos, hoje em dia as coisas mudam muito escorre, toda a gente tem pressa em esquecer, já nem sequer se lêem os jornais.”


Adaptado mais tarde para o cinema pelo realizador Stanley Kubrick, “A laranja mecânica” continua a ser um livro polémico e inteligente sobre o livre juízo:

“Quais os desígnios de Deus? Quererá ele o Bem, ou a escolha do Bem? Um homem que escolhe o Mal, será por acaso ou de certo modo, melhor do que um homem a quem impõem o Bem?” (7/10)

Glossário: druco – amigo, escorre - rápido, mesto - sítio, rassudoca – imaginação.