terça-feira, outubro 18, 2005

CLAP CLAP CLAP

Recentemente Diamanda Galás regressou a Portugal para apresentar “La Serpenta Canta” na Casa da Música. Fica em seguida um extracto de uma entrevista que deu para o suplemento Y do jornal "Público".

«A sua crítica à sociedade continua omnipresente, desde o anúncio de livros sobre povos oprimidos no seu “site” oficial até às situações absurdas do mundo”. Entre elas, destaca “as infiéis” do Irão, os gays “a apanharem electro-choques” nas manifestações e “a ridícula” Hollywood. “Os filmes sobre negros não têm negros, mas o Brad Pitt; o Spielberg faz ‘A lista de Schindler’ não para falar do árduo Holocausto, mas para se promover”, atira.
Também o presidente dos EUA da recebe a sua dose. “O meu país está cheio de gente estúpida, avarenta e fundamentalista. As pessoas perceberam com Nova Orleães que George W. Bush é manipulador e racista. Foi um prolongamento do Iraque. Agora é tarde, com desgosto teremos de o aguentar mais dois anos e, aí, a mudança será total”, sublinha. Um arremesso final para o Governo turco e os seus fundamentalistas, que lhe enviam “imensa correspondência”. “Por alguma razão, a EU não os integrou ainda.”
O seu diálogo insubmisso e radical (na forma e no conteúdo) revela uma mulher forte de convicções, apostada em abanar a angústia existencial e os pecados humanos. O estilo ofensivo e politicamente incorrecto, a par de assuntos perturbantes – sida, homossexualidade, dogmatismo religioso, genocídio turco – colocam-na imediatamente fora do “mainstream”. Ela mostra saber isso a cada instante, o que lhe parece dar novo ânimo.
Inspiradora de bandas como Cradle of Filth, é entusiasta de Portishead, Björk, (“Apesar de preguiçosa, pois só mantém um tom e deixa-me louca”), Amália Rodrigues (“Mas que génio de fado!”), Cliff Richard e, quem diria, Whitney Houston (“Embora eu nunca cante ‘I will always love you’”). Diz-se avessa a Madonna, pedindo-lhe “que fique só na ‘dance’, pois é imperialista e canta indiano sem saber o que faz”. Repudia ainda o elitismo de David Bowie ou Mick Jagger, considerados “lixo corporativo de grandes companhias”.
O rosto pálido, magro e longo vinca a natureza intrigante e distante da intérprete, já apelidada de diva vampírica, noiva de Satã, profetisa apocalíptica ou reencarnação negra de Maria Callas.
De origem grega e ortodoxa, Galás abandonou os estudos de bioquímica para fazer música experimental e se dedicar ao piano. Deu o primeiro concerto em 1979, no "Festival d’Avignon", em França, com a ópera de Globokar, “Um jour comme un atre”, sobre um documento da Amnistia Internacional relativo à prisão e tortura de uma turca.
Culturalmente provocante e activista de grupos de combate à sida, tatuou na mão esquerda “We Are All HIV+” (Somos Todos Seropositivos) quando o irmão faleceu vítima da doença, em 1986. Três anos depois, na “manif” do grupo Act Up, em Nova Iorque, foi presa por “distúrbio da ordem pública”. Em 1989, o Governo italiano acusou-a de blasfémia contra a Igreja Católica Romana, pela actuação no "Festival delle Colline", na Toscana, no qual repetia o verso dos primeiros discos “o Diabo mora na América” e revelava o recente álbum “The Divine Punishment”, que usava ironicamente textos bíblicos para apelidar a sida de “punição dívina”.
Em Abril de 1992, a revista “Vanity Fair” publicou uma foto de Galás, feita por Annie Leibowitz, onde posa nua, pendurada numa cruz em chamas. Por ter ascendência helénica, alegava ser aquela a única resposta aos deuses injustos que governam os mortais. Quatro anos depois foi demitida das filmagens de “City Hall” por Harold Becker, recusando cobrir a tatuagem da mão com anéis. “Isto é muito religioso, vivo e morro com a tatuagem e todas as consequências associadas. Não sou republicana hoje e terrorista amanhã”, esgrimiu na altura.»

in suplemento Y do jornal Público de 16 Setembro 2005.