sábado, janeiro 21, 2006

Leituras entre lençóis


“Dias Exemplares” by Michael Cunningham.

Após o inteligente romance “As Horas” – justamente aclamado pela crítica literária – e vários anos de expectativa pelo próximo tomo de Michael Cunningham, eis que finalmente ele surge, para se juntar à obra de um dos melhores escritores americanos da actualidade.
Constituído por três histórias, cada uma delas pertencente a um género literário específico – “Dentro da máquina”, um conto gótico; “A cruzada das crianças”, um “triller”; e “Uma espécie de beleza”, um conto de ficção científica –, “Dias exemplares” serve-se delas para apresentar sob diferentes perspectivas a mesma mensagem: uma América que está longe de ser aquela que foi sonhada; sendo antes um lugar desencantado, povoado por personagens excepcionais, que à sombra da poesia de Walt Whitman, são movidas por aquilo que o próprio poeta defendia: a celebração da vida tal qual ela se apresenta.
Algumas das características que povoam os anteriores romances de Michael Cunningham encontram-se também presentes em “Dias exemplares”: uma delas será a homenagem da cidade de Nova Iorque, agora feita de forma mais explícita. No entanto será a subversão dos géneros, assim como a sensibilidade do escritor para criar anti-heróis com grandiosidade épica (embora desta vez essa capacidade pereça estar um pouco mais esmorecida), que permitem identificar melhor a sua escrita. Essas características servirão ainda de motivos impulsionadores suficientes para nos dedicarmos à leitura do livro; porém, quando esta termina, a sensação de que elas já foram utilizadas de forma mais inspirada parece revelar-se. Pode-se então questionar se estamos perante um exercício de estilo do escritor… Podemos estar, será uma hipótese válida, e colocá-la de lado não seria de todo sensato; mas a capacidade que têm as personagens, que povoam os livros de Cunnigham, de surpreender será sempre gratificante, por encerrarem uma dimensão humana assombrosa, o que, por si só, provoca o apego a cada uma das obras do autor. (7,5/10)

Michael Cunningham, photo by Heather Conley.

Reedições (03) / the_end

“Pearl – Legacy Edition” by Janis Joplin

Os anos 60 do século XX provavelmente não teriam sido tão excitantes sem o aparecimento de alguns dos ícones que perpetuam a sua popularidade até aos dias de hoje, e com certeza que não teriam sido tão interessantes sem Janis Joplin, uma das maiores vozes de sempre dos Blues e do Rock’n’roll.
“Pearl”, o álbum póstumo de Janis Joplin, que é ainda o seu mais conhecido, é agora novamente editado, desta vez numa magnífica edição, servindo de pretexto para celebrar tanto os 35 anos decorridos desde a sua edição original, como para prestar uma homenagem digna passados outros tantos anos da morte da cantora.
Não deixa de ser perturbante verificar que o trágico acontecimento que levou ao desaparecimento da Janis Joplin (uma overdose de heroína) culminou com um dos momentos mais altos da sua carreira. Janis encontrava-se em plena forma artística e vocal, como se pode verificar aquando da audição das músicas que compõem o álbum; músicas essas que se encontram entranhadas por uma honestidade desarmante e cantadas de forma magistral.
A presente edição para além do álbum original trás ainda consigo algumas canções nunca antes editadas (uma das quais especialmente concebida para John Lennon), algumas versões novas e um magnífico disco ao vivo, gravado numa digressão feita no Canadá, no ano de 1970 – onde somos confrontados com uma cantora primorosamente provocante e cheia de recursos. Tudo isso encerrado num cuidado “digipack”, que traz consigo um “booklet” onde se pode encontrar um informativo e íntimo relato de John Byrne Cooke, um amigo próximo da cantora, com quem ela trabalhou.
Motivos de interesse não faltam para dedicar atenção a esta edição de “Pearl”… E a primeira estrela feminina a brilhar no universo dos Blues e Rock’n’Roll merece toda a dedicação. (10/10)