sábado, outubro 16, 2004

Contos urbanos contados na primeira pessoa: III



Tive alguma dificuldade em seguir o Jorge, que conduzia como um louco a fugir de algum pensamento que o atormentava. O caminho foi quase todo feito numa média de 100 km/h o que naquela zona da cidade era complicado de se fazer devido à enorme quantidade de semáforos que surgiam pelo caminho… muitos amarelos foram passados por ele e alguns vermelhos por mim. Seja como for essa adrenalina excitava-me cada vez mais. No entanto houve uma redução brusca de velocidade de um momento para o outro, numa zona onde podíamos ter chegado aos 150 km/h sem grande esforço, à qual se seguiu um estacionamento em plena estrada.
Parei o meu carro em contra mão ao lado do dele e fui encontra-lo a olhar para um edifício à nossa esquerda na direcção do quinto andar onde se via com alguma dificuldade a silhueta de uma pessoa que levava de vez em quando um cigarro à boca não dando para aperceber de quem se tratava, pois embora fossem altas horas da madrugada ainda não tinha amanhecido, naquela noite quente de Julho. Esteve assim durante três a quatro segundos antes de se virar para mim e, lançando um resignado olhar sorridente, arrancou novamente a alta velocidade. Continuando em contra mão persegui-o de imediato até que consegui por o meu carro a par do dele, mas ao fim de escassos segundos, fui obrigado a uma travagem brusca devido a uma mota que vinha a grande velocidade na minha direcção. Ele não reduziu a velocidade. Vi o carro a desaparecer entre o clarão de luz que vinha ao meu encontro enquanto sentia por todo o meu tronco a pressão exercida pelo sinto de segurança…
Deixei de ver o que quer que fosse além de toda aquela claridade, fechei os olhos e de repente nada… apenas escuridão à qual se juntou o silêncio após uma dura travagem que cortou o ar com um som estridente. Respirei fundo e abri os olhos como se tivesse acordado naquele momento. Com dificuldade comecei a distinguir novamente tudo que me rodeava, olho pelo retrovisor, o condutor da mota conseguiu desviar-se da rota do meu carro passando pelo meu lado direito, e vejo ser-me enviado um pirete. Nesse instante recuperei rapidamente os sentidos, ficando completamente à alerta enquanto sentia todo o efeito do álcool a esvanecer-se. A mota foi-se e eu voltei para a faixa correcta conduzindo furioso o mais depressa que me era possível até que, passado cerca de dez minutos, encontro o carro do Jorge estacionado na berma, reparei que não se encontrava ninguém dentro. Estaciono poucos metros à frente, saí do carro e olho em direcção à praia onde vejo alguém a caminhar em direcção ao mar, supus que era ele. Chamo-o mas não obtive resposta e então decidi ir na direcção dele para não o perder de vista devido ao denso nevoeiro que se estava a levantar.
O vulto sentou-se na areia o que me fez acelerar o passo para ver se reconhecia o rosto o mais depressa possível, quando reparei num isqueiro a ser aceso várias vezes consecutivas. Provavelmente era o mesmo isqueiro que serviu para acender o meu cigarro antes do moreno ter aparecido e muitas outras depois de se ter ido embora. Aproximei-me sentindo um cheiro adocicado no ar, até que reconheci o rosto e o isqueiro, e enquanto olhava para as mãos dele, disse-me: - vamos estimular a imaginação!

José