terça-feira, agosto 15, 2006

Harmonias

“Quixotic” by Martina Topley-Bird.

“Quixotic” foi um daqueles álbuns que passou completamente desapercebido aquando do seu lançamento em 2003. Foi escassa a sua divulgação, a sua distribuição e, lamentavelmente, a apreciação que se fez dele. E até agora praticamente nada mudou. É de lastimar isso visto que a responsável pela sua criação é não só um dos marcos dos anos noventa devido às suas colaborações nas obras-primas de Tricky ("Maxinquaye" e "Pre-Millennium Tension" - que o são por em parte muito deverem às suas vocalizações), mas também porque sempre que se tem a oportunidade de ouvir a sua voz prevê-se à partida que no fim da audição o ouvinte irá sentir-se grato por se ter dedicado à sua contemplação.
Martina Topley-Bird tem de facto uma voz esplêndida, quente e sensual, que liberta as palavras de forma aquosa e com uma languidez narcótica que deixam o ouvinte suspenso enquanto as ouve. A temática utilizada nos trabalhos anteriormente desenvolvidos, continua presente. Nas letras desta música não é assim de esperar um carácter idílico, a profundidade daquilo que Martina Topley-Bird profere aborda os receios mais íntimos do ser humano, existe uma grande aproximação à inquietação e à ânsia expositivamente exprimidas após terem sido assimiladas e de se ter aceitado o facto de ser inevitável de lidar com elas para, talvez devido a isso, agora se poderem apresentar de modo plácido; novamente de forma exemplar e intransferível em Quixotic. Mas também existe espaço para se falar de entrega e de desejo, de amor até, se se quiser aceitar essa perspectiva, sendo “Anything” exemplo cabal disso.
Nos arranjos da música podemos encontrar os cúmplices que seriam de esperar, como David Holmes ou Tricky e as colaborações inesperadas de Josh Homme (Queens Of The Stone Age) e de Mark Lanegan. Um desfile de nomes que tinha a responsabilidade de elevar a música ao nível do desempenho vocal de Martina Topley-Bird, porém ficam um pouco aquém o que baixa a fasquia do álbum. Não se tratam de composições duvidosas, apenas por vezes parcas na densidade que se pode exigir desses criadores e surpreendentemente escassas de perversidade sonora. Este último facto acabou por desviar este trabalho dos ambientes de retracção, por onde a cantora sempre se tinha movido, para ambientes expansivos que fazem com que Quixotic seja melodiosamente distinto de qualquer trabalho do seu passado ou com que se possa impor uma referência plausível por muito que se possam abordar aproximações aos blues, gospel ou à soul.
“Quixotic” merece que se tenha em mais consideração do que se tem tido, não será tarde nem cedo para mudar essa circunstância, porém negligente se não for alterada. (8/10)