sábado, outubro 16, 2004

Contos urbanos contados na primeira pessoa: VII



Estava farta de fazer o papel de loira. Quando conversamos ao telemóvel falou-me, mais uma vez, de forma simpática com muitas pausas pelo meio como se hesitasse dizer algo. Falou num tom de voz devidamente estudado para situações idênticas a essa, o que previa uma desculpa bem elaborada por causa de algo que a ultrapassava, não podendo estar comigo por esse motivo (se soubesse que não me dá nenhuma surpresa quando chega a essa parte). Começou por contar-me meias verdades, a tocar em assuntos ao de leve fugindo logo com a conversa noutras direcções… Já sabia o que me esperava. Mas será assim tão difícil fazer entende-la que me custa menos aceitar a verdade em vez de uma mentira? Será que não se apercebe o quanto isso faz desaparecer pouco a pouco a magia que emana tendo atitudes como essa?
Não a deixei continuar… antes de ela chegar à parte da desculpa disse-lhe que essa noite não ia sair, que tinha sido um dia muito cansativo para mim e que precisava de descansar. Custou-me dizer-lho, lembro-me da minha mão, que segurava o telemóvel, começar a tremer e de me virem as lágrimas aos olhos. Ela aceitou o facto de imediato, notei um pouco de alívio na sua voz, e disse-me que também ia aproveitar para descansar, que no sábado sairíamos as duas e que nos “divertiríamos à brava”.
Mas nessa noite acabei por não me conformar, decidi tirar as minhas dúvidas. Estava a começar a ficar cansada de estar com ela só quando lhe dava jeito ou lhe apetecia. Não conseguia adormecer, a conversa que tinha tido com ela ao telemóvel não me saía da cabeça…
Ansiosa e perturbada, decidi ir até ao bar onde sabia que a ia encontrar. Todo o meu corpo tremia antes de entrar, sentia-me mal por estar a provocar uma situação dessas… Quando entrei encontrei-a com aquela rapariga que nas últimas semanas tinha sido tantas vezes alvo das nossas conversas. Lá estavam elas… ambas de costas para mim a falar animadamente e a dar grandes gargalhadas. A outra de vez em quando punha-lhe a mão na zona do corpo que mais próxima se encontrava e ela nem sequer estremecia, … nem sequer tentava afastar-se da mão.
Fiquei como uma estátua a olhar para elas… a começar a deixar de conseguir controlar as lágrimas… Passava-me pela cabeça que as mulheres são todas iguais até que um empregado interrompe este pensamento perguntando-me se precisava de uma mesa… olho para ele… não lhe digo nada… pergunta-me se estava bem ao qual respondi agressivamente mas de modo contido… Pareço-lhe estar!?... E saí do bar… Refugiei-me num sítio isolado qualquer tentando controlar os soluços… sentia uma dor enorme no meu estômago como se alguém não parasse de o apunhalar vezes e vezes consecutivas. E sentia raiva ao mesmo tempo… apetecia-me entrar pelo bar a dentro, puxar pelos cabelos da outra (arrancá-los fio a fio), chegar ao pé dela e perguntar-lhe: é por isto que me estás a trocar?... Faz bom proveito e se feliz…
Mas não o fiz… não sei se por me faltar coragem ou se por se ter ido quando recebi uma mensagem no telemóvel a pedirem a minha ajuda… O melhor seria mesmo ir embora para ver se entretanto me acalmava. Peguei na minha moto e pus-me a caminho. Segui a grande velocidade como se tentasse deixar a minha fúria ficar para traz com vento… mas não ficava, não conseguia deixar de pensar no que tinha visto até ao momento em que o meu instinto de sobrevivência foi obrigado a despertar… apareceram dois carros... um deles vinha na minha faixa na minha direcção… Senti a adrenalina a apodera-se do meu corpo, só tive tempo de agir. A única decisão que consegui tomar foi a de me meter entre os dois carros… fui bem sucedida… o que vinha na minha direcção parou… consegui fazer o mesmo a poucos metros de distância… estive para me dirigir em direcção ao condutor e descarregar toda a minha fúria em cima dele… mas não o fiz, senti o telemóvel a vibrar no bolso, ainda existia alguém a precisar de mim… da minha ajuda. Não podia perder mais tempo, não vi quem era, só podia ser uma pessoa a ligar-me a essas horas… fiz um pirete e segui para o meu destino o mais depressa que me era possível.

Sofia