quinta-feira, janeiro 20, 2005

Intimidades_03/03 – Ficções



Acordei… Sentei-me no bordo da cama e olhei para ele: o sono a que estava entregue, calmo e sereno, despertou em mim a vontade de lhe passar a mão pelo rosto com o intuito de oferecer aos seus sonhos a ternura que despertou em mim nesse momento.
Estendi a mão, mas hesitei… recuei; não quis perturbar a tranquilidade em que se encontrava. Optei por deixar registada essa ocasião; peguei na máquina fotográfica na esperança de o conseguir fazer, mas cada fotografia que tirava perturbava-me, não conseguia visualizar no ecrã o que sentia ao olhar para ele; apenas via pormenores que reconhecia, no geral via um corpo, uma cara; estática, inerte, que fazia parte de um passado recente.
Enquanto pousava esse objecto veio-me à memória a noite anterior na qual o tínhamos utilizado como “webcam”; serviu para partilhar com outro casal incansáveis horas de sexo excessivo… Observávamos através do ecrã dois corpos desfocados, unidos a entregarem-se com mútua dedicação, era visível a excitação que o casal sentia em ser contemplado; talvez tenha sido isso que despertou em nós o desejo de conjuntamente partilharmos a nossa intimidade. Recordei o instante em que vi o rapaz a olhar directamente para nós e, esboçando um sorriso, veio-se… o olhar dirigiu-se então para a companheira que antes de a beijar lhe beliscou o seio.
Abandonei essas memórias juntamente com a máquina fotográfica e silenciosamente servi uma “Vodka” à qual juntei Vermute “Bianco”, acendi um cigarro e contemplei novamente a cidade onde a minha orientação se perdia com toda a novidade com que se deparava. Sentei-me no chão, encostei a cabeça ao vidro e fiquei a contemplar a noite a dar lugar à madrugada; os “neons” perdiam agora a sua intensidade, o meu olhar deixava gradualmente de se maravilhar com o seu veludo…
Movimentou-se; tentou abraçar o meu corpo mas perdeu-se no vazio que o substituía naquela cama de ninguém… Ouvi-o murmurar algo indecifrável; de seguida encolheu-se e voltou a respirar profundamente…

O que desejo hoje no futuro é posto em causa…
Vivi momentos que permanecem numa memória moldada pela minha percepção, ponho em causa se de facto assim aconteceram; a ficção toma agora o lugar deles, dando-lhe uma nova dimensão, deturpando espaços, tempos; enquadram-se actualmente num outro imaginário juntamente com a realidade vivida, ou não, por outros relatos… Viver apaixonadamente é o que pretendo, criar é um propósito.

Intimidades_01/03 – Ficções
Intimidades_02/03 – Ficções