domingo, julho 30, 2006

Harmonias

“Solo piano” by Gonzales.

Gonzales é com certeza um músico imprevisível. O compositor responsável por grande parte dos arranjos daquela obra seminal que é “Let it die” de Feist, será um daqueles exemplos máximos que não deixa a sua criatividade limitada a alguma forma de manifestação melódica, isso porque as possibilidades de expressão são imensas; e, como qualquer mente inspirada, irá avistar nelas as potencialidades para se afirmar e se libertar enquanto artista. É assim gratificante ouvir “Solo piano” (de 2004), o álbum do Canadiano que teria trilhado anteriormente caminhos como os do Trip-hop, Breakbeat, Hip-Hop ou Rap; a declarar o método clássico de criação do autor. As referência, assumidas, passam agora por nomes como Erik Satie ou Cole Porter; e a alusão a DJ Shadow de “Gonzales Uber Alles”, o longa duração de estreia, simplesmente deixa de existir.
Expõe-se em “Solo piano” dezasseis temas para piano, que fazem o ouvinte recuar no tempo para fazer uma viagem idealizada aos tempos áureos das musicalidades exprimidas pelo cinema mudo. São temas harmoniosos, aonde se coloca de parte estruturas desnecessariamente complexas, apresentando uma simplicidade de forma que permite ao ouvinte ir tão só e directamente ao encontro da essência desta música.
Gonzales é um diletante em todo o sentido do verbo, vai construindo uma carreira que, a prestar-se-lhe atenção, irá impor um novo génio que enquanto criador conceptual encontra a autonomia necessária para manifestar da sua sensibilidade enquanto ser humano. (9/10)

photo by Claude GASSIAN.

quarta-feira, julho 26, 2006

Harmonias

Nos dias que correm, quando se ouve mencionar um álbum que experimenta uma abordagem do Jazz fundido com música electrónica a atitude mais provável a ter perante a obra será a indiferença. Não é pois de admirar a postura, por se tratar dum meio que foi explorado em excesso e de onde advieram cada vez mais abundantemente resultados catastróficos. É assim com agradável surpresa que se recebe os recentes “Scale” de Herbert e “The Ballad of Den the Men” de Wise in Time, por serem capazes de reanimar o género partindo exactamente do ponto aonde as cabeças pensantes por trás dos projectos o tinham deixado, levando-o mais além utilizando precisamente a mesma técnica de sempre, um olhar inteligente no passado aditada de uma abordagem tecnológica - cada vez mais requintada e refinada - de uso habitual na arte destes criadores; apresentando assim duas obras lúdicas na adopção de soluções viáveis que cada vez mais parecem uma sugestão que uma concretização por parte dos seus contemporâneos.

“The Ballad of Den the Men” by Wise in Time.

Antes de mais apresente-se o responsável pelo projecto Wise in Time: é ele Ian Simmonds. Isso poderá dizer muito se se pensar em “Return to X”; ou, enquanto Juryman, em “The Hill” (álbum com parte das vocalizações a cargo de Alisson Goldfrapp). Poderá ainda dizer nada; e das duas uma, ou por não ser um músico comummente conhecido ou então se a aproximação que se fez a ele foi através de algum dos outros álbuns que criou; não por serem maus, mas por não serem de todo indispensáveis. O presente projecto nasceu da união do músico com outros quatro - de Jazz, de origem Alemã - que o auxiliaram na feitura de mais uma obra relevante, ao nível das enunciadas acima.
A técnica de Ian Simmonds está cada vez mais cuidada e sobretudo cada vez mais fluida na exploração de um universo enublado pela contemporaneidade urbana, embutido da irreverência do Jazz e trespassado por um olhar bucólico - apresentado enquanto hipótese de refúgio. Para além disso a sua voz mostra-se mais veemente que nunca, e repleta de originalidade na citação das sofisticadas lenga-lengas inventadas.
É um grande álbum, como só Ian Simmonds tem a capacidade de conceber quando é assaltado pela inspiração, e quando isso acontece vale muito a pena prestar-lhe atenção. (9/10)

“Scale” by Herbert.

Herbert é um dos poucos músicos que tem vindo a operar uma autêntica revolução musical na presente década e isso enquanto explorador da história do Jazz. Ou seja, aborda o género nas diversas metamorfoses que este foi tomando, desde a sua criação, durante a sua época de oiro e ao longo do restante século XX; ou não fosse o Jazz ter a capacidade de se permutar e redefinir-se em várias vertentes... mostrando-se jubiloso nessa sua capacidade para se transformar. E, até à chegada e implementação da tecnologia no seio musical, já o Jazz tinha experimentado muitas redefinições. É na aproximação a cada um dos diferentes rumos tomados pelo género que Herbert – que conhece bem a história do Jazz - parece buscar a sua inspiração sempre que apresenta um novo álbum, adicionando-lhes a sua electrónica de ritmos minúsculos e “samples” desencantados de onde menos se espera – urnas inclusive –; prática que assim o auxilia na sua reinvenção constante enquanto criador. É claro que, se não fosse a sua genialidade e emotividade enquanto músico, a ideia seria decerto arrasada mesmo antes de tomar forma.
Quem ainda ajuda Herbert na sua investida musical é indubitavelmente a vocalista Dani Siciliano, esta é capaz de surpreender tanto como o artesão musical; oiça-se as novas soluções adoptadas nas vocalizações e pasme-se por ser capaz de apresentar novos registos, nunca explorados até à data; que são tão estimulantes e surpreendentes como aqueles que já lhe conhecíamos. Porém, não é só a voz de Dani Siciliano que é admirável em “Scale”; existem também as brilhantes colaborações de Dave Okumu (dos Jade Fox) e de Neil Thomas; a contribuir no rendilhado de vozes que se cruzam, que se rendem e que cantam em uníssono em grandiosas apoteoses vocais; equiparadas à mestria das prestações dos vocalistas dos Two Banks Of Four.
“Scale” merece ser um objecto de devoção, é imenso em todos os sentidos e uma grande homenagem a todos os envolvidos, assim como ao Jazz electrónico. (9,5/10)

terça-feira, julho 25, 2006

Spot The Frog

segunda-feira, julho 24, 2006

Introducing Spot


Spot is that most unusual of creatures: a discriminating frog. After living under the stars all his life, he decides to live under a roof. Spot is curious, exuberant and helpful, but sometimes he doesn't see things for what they really are. For him, a sink full of dirty dishes is a pond to splash in, and a lamp is something to bask under.

by Mark Heath.

domingo, julho 23, 2006

De Profundis (passagem)

“Tal como o corpo assimila coisas de toda a natureza – vulgares, poluídas ou purificadas por um padre ou por uma visão – e as converte em destreza ou força, músculo ou suavidade de linhas, curvas e cores do cabelo, dos lábios e dos olhos, assim também a Alma, por sua vez, tem as suas funções assimiladoras e pode transformar em nobres pensamentos e elevadas paixões o que em si mesmo é baixo, cruel e degradante; mais ainda, pode encontrar nestas a maneira mais digna de afirmação. E muitas vezes pode revelar-se a si mesma de um modo mais perfeito através daquilo que estava destinado a destrui-la ou a profaná-la.”

by Oscar Wilde in "De Profundis".

sexta-feira, julho 21, 2006

Harmonias

“The greatest” by Cat Power.

Um álbum com uma canção como “Love & communication” tem todo o direito de se chamar “The greatest”; porém se é devido ao facto de ser o melhor disco da cantora - como afirma a própria e como tem vindo a anunciar a imprensa musical especializada – que lhe foi dado esse nome, isso poder-se-á por em questão. Afinal, a discografia de Cat Power conta com o excelente “Moon pix” e o colossal “You are free”, pelo que desvalorizar essas edições perante a presente não será de todo razoável. Agora, se se quiser, pode-se sim, considerar o álbum mais coerente da discografia da cantora; a primeira audição que se faz a “The greatest” deixa logo transparecer isso. Para além disso transparece ainda a grande particularidade de Cat Power: a de provocar angústia no ouvinte, deixá-lo consumido. É capaz de criar canções que podem conter em si um encanto de tal forma desarmante que atordoam. Tal como já foi capaz de nos fazer sentir assim em canções como “Cross bones style” de “Mon pix” ou “Maybe not” de “You are free”; em “The greatest” isso também acontece quando se ouve “Love & communication”. No entanto o presente álbum não se sustenta apenas na referida canção, pois também se pode ouvir “Hate” que eleva o tom confessional de uma canção a um nível superior, capaz de deixar quem quer que seja sem argumentos quando se ouve “I hate myself and i wanna die”, pela forma magistral de como é cantada e por toda a melancolia que aqueles acordes simples e eficazes encerram; “The Moon”, uma canção fantasmagoricamente envolvente; “Where is my love”, Cat Power mais que nunca em formato de canção clássica; e a magnífica canção que abre o álbum - que também lhe dá nome -, com uma exuberante secção de cordas e com a voz da cantora a pairar sobre ela própria.
Ao ouvir a voz de Cat Power neste disco mais uma vez se fica perplexo, mantém-se com certeza aquela tonalidade quente e envolvente, no entanto sofreu uma permutação; tal como em discos anteriores já tinha acontecido, apresentando assim mais uma possibilidade de como ser excelsa. Nos arranjos musicais a cantora desta vez escolheu a Memphis Rhythm Band para a ajudar; aquilo que era pretendido era criar canções que de facto se aproximassem do formato da estrutura clássica da canção. A escolha foi acertada, afinal aquilo que não falta ao grupo em questão é experiência na composição desse tipo de canções, e assim foi criado um álbum cheio de composições luxuriantes e das mais luminosas que algumas vez ouvimos nos álbuns da cantora. No entanto a luminosidade de “The greatest” não é dada de forma gratuita, ou não fosse Cat Power exemplar na criação de impossibilidades, oferece-se antes a desesperança mascarada de optimismo e o desafio ao ouvinte em aceitar o facto de assim o ser. (9/10)

quinta-feira, julho 20, 2006

Earl & Mooch

quarta-feira, julho 19, 2006

Leituras entre lençóis

“Close Range - Brokeback Mountain and other stories” by Annie Proulx

No início chamava-se “Close Range - Wyoming stories”, agora chama-se “Close Range - Brokeback Mountain and other stories”. Annie Proulx estaria longe de imaginar o que apenas um dos seus contos seria capaz de provocar na sua já longa carreira enquanto escritora... que fosse capaz de mudar o título de um dos seus livros, que se tornasse mais conhecida e falada do que nunca e que a fizesse declarar abster-se de alguma vez voltar a falar novamente sobre o conto. O que é certo é que “O segredo de Brokeback Mountain”, o conto, foi capaz de o fazer e embora o livro aonde se insere seja uma obra repleta de personagens em todo comuns às dos nosso vaqueiros Ennis del Mar e Jack Twist, é certo que são apresentadas de forma ostensivamente mais caustica.
São no entanto onze contos excelentes inseridos nesta colectânea, que nos dão a conhecer o inóspito lugar de Wyoming, criando para isso personagens e histórias assumidamente inspiradas naqueles que habitam o lugar, sendo que aqui a ficção por vezes poderá por demasiado aproximar-se da sua realidade no retrato dos grandes espaços desertos, quer da região, quer do interior das personagens... Porém estamos perante ficção, de boa ficção, com a escrita de Proulx a apresenta-se humorística, com uma vertente trágica por vezes declarado, outras das vezes sugerida. (8,5/10)

“O segredo de Brokeback Mountain” by Annie Proulx

Em Portugal, aquando da saída do filme, tivemos então direito à tradução apressada de apenas “O segredo de Brokeback Mountain”, o conto que encerra o livro acima referido... Teria sido o oportunismo comercial que fez com que esta edição fosse lançada no nosso país, contudo ficou anunciado o compromisso que o livro onde consta o conto iria brevemente ser editado na versão portuguesa. Sarcasmos à parte, o conto por si só merece uma análise, visto tratar-se de um texto sublime e dos mais badalados dos últimos tempos.
Será arrogante pensar que os dois labregos retratados no conto fossem incapazes de viver um história tão benevolente como a que se conta. A genialidade do conto não passará por aí, mas sim pela forma como nos apresenta com toda a genuinidade e fulgor aquilo que já não se esperava encontrar nos dias de hoje, uma história de amor em toda a sua glória, criada na base desse género que parece pertencer ao passado, o romantismo; deixando assim o leitor inesperadamente arrebatado na eloquência emanada do conto quando a retórica do género se esperava estar porventura esmorecida ou gasta.
Em termos de estrutura narrativa é curioso observar que “Brokeback Moutain” tem grandes afinidades com o seu oposto em trâmites sociais “Reviver o passado em Brideshead” – o clássico de Evelyn Waugh – no entanto o conto apresenta com todo o ânimo a gloriosa despedida de ambos os vaqueiros (sem que estes o soubessem), sustida na evocação de um dos momentos mais carinhosos do passado de ambos os jovens.
Uma história como a que o conto conta tem tudo o que é necessário para desencadear as reacções que obteve, sustentada em motivos convincentes ao contrário de muitos logrados best-sellers.
Quando algo é grandioso não deve passar desapercebido. (10/10)

“Bad Dirt - Wyoming stories 2” by Annie Proulx

Após o bem recebido conjunto de contos de “Close Range - Brokeback Mountain and other stories” foi-se então ao baú tentar desencantar outras relíquias para que fosse editado a sequela directa dessas histórias de Wyoming... E assim obteve-se o número suficientes de contos para editar “Bad Dirt - Wyoming stories 2”. Buscaram-se essas histórias em várias publicações, Playboy inclusive, e aquilo que poderia ser um disperso e desconexo conjunto de textos acaba por resultar numa compilação tão convincente como a primeira série de contos.
"Bad Dirt" chega até a ser mais bem conseguido em relação ao seu predecessor na sagacidade com que é utilizado o humor sórdido da autora nos contos; assim como na sugestão das imagens, não só por se apresentarem contos mais gráficos como se apresentar uma maior diversidade da vastíssima área de Wyomming. (9/10)

“Close Range” e “Bad Dirt” explicam o porque de Annie Proulx ser tão bem conceituada nos dias que correm, e poderão ser uma boa primeira aproximação a fazer à escritora, e se se ficar contagiado com a sua escrita, haverá ainda mais para descobrir...

sábado, julho 15, 2006

Urbano (passagem)

Apercebe-se da inércia que o rodeia... Invade-o uma sensação de impotência que o deixa sem ar... Tem que forçar a respiração para recuperar o fôlego. Olha à sua volta e sente uma sensação de claustrofobia imensa. A tristeza que se apodera dele provoca-lhe uma cedência no estômago. Não entende claramente a razão de se sentir assim, mas quase que a explica nas possibilidades que lhe são sugeridas, pelo espírito preso no seu corpo, daquilo que o mundo não o é... este, que o envolve, não tem a capacidade de mudar, vê-lo demasiado preocupado com detalhes... é pequeno, demasiado terreno e as possibilidades demasiado vastas.

in "Urbano" by JGSC aka Gil.

sexta-feira, julho 14, 2006

avião

envolto num lençol de cal duas cintilações
sobre as pálpebras húmidas e um ardor perfura
a noite onde uma ponte atravessa um rio

o voo é demorado
ficaste a saber que nem deus é eterno
desfez-se no erro daquilo que criou perdeu-se
nas suas imperfeições e certezas

agora
pela janela do avião vês como tudo é mínimo
lá em baixo – quando a oriente da loucura
a mão cinzenta do inverno perdura no rosto
daqueles que sonolentos viajam dentro
deste pequeno túmulo de serenidade

by Al Berto in “Horto de incêndio”

quinta-feira, julho 13, 2006

Calvin & Hobbes

quarta-feira, julho 12, 2006

Harmonias

“Fox confessor brings the flood” by Neko Case.

É certo que existem os álbuns anteriores da cantora e compositora Neko Case; mas quem, à parte deles, teve a oportunidade de ouvir a sua voz em “Getting Made” - canção perfeita incluída no magnífico álbum “Still loking good to me” de The Band Of Blacky Ranchette -, ficou decerto com a ideia daquilo que a voz desta senhora é capaz de proporcionar. E aquilo que a voz desta senhora, nos seus momentos (mais que) perfeitos, pode proporcionar no ouvinte é o despertar da consciência da imensidão, vasta, vasta, vasta... e épica da vida. Em “Fox confessor brings the flood” isso acontece várias vezes; o que, para tormento do ouvinte, o fará ouvir repetidamente as belas canções contidas no álbum, não o deixando sossegando enquanto não fizer uma nova audição. Oiça-se com a devida atenção - e com predisposição para tal - “Star witness”, “Hold on, hold on”, “Fox Confessor Brings The Flood”, “Dirty knife” ou “Maybe Sparrow” para exemplificar (não negligenciando no entanto a descoberta das restantes canções pois todas elas merecem a devida atenção).
Em “Fox confessor brings the flood” a voz de Neko Case está por tudo quanto é sítio, e ainda bem. Ainda bem pois não é todos os dias que se ouve uma voz tão límpida, cristalina e preciosa; acima de tudo perfeita nas variações que vai fazendo ora em crescendos seguros, ora em pausas e variações precisas. Será então por isso que os instrumentais são postos em segundo plano (excepção justa para “Dirty Knife”), porém em nada descurados devido a esse facto; até porque quem se pode encontrar nas composições dos arranjos são músicos de calibre, com provas mais que dadas do seu talento. Pode-se descobrir nos arranjos, entre outros, Joey Burns e John Convertino dos Calexico ou Howe Gelb (com uma vasta carreira construída tanto em nome próprio como nos vastos projectos criados ao longo dos anos tais como Giant Sand, Op 8 ou The Band Of Blacky Ranchette; e que este ano também já lançou mais um belo álbum em nome próprio: “'Sno Angel Like You”). De resto, já ao longo de vários anos que todos estes músicos vão participando nos álbuns uns dos outros, daí não ser uma surpresa que participem no presente álbum; ajudando a criar um misto sonoro de elementos extraídos da história da música Americana e de elementos Indie, cruzados com grande sensibilidade, o que torna esta música em conjunto com as letras e voz de Neko Case, na sua qualidade e nas soluções adoptadas, imprecisa no tempo... não se trata de música de ontem, de hoje ou de amanhã; é música de sempre. (9/10)

segunda-feira, julho 10, 2006

De Regresso

O "Blue Red and Dark" está de volta. Foram muitos os motivos que me levaram a estar afastado deste recanto que tanto prezo, no entanto estou de regresso; desta vez para ficar.
Com este retorno foi criado o "Blue Red and Dark Rotation" aonde estará em relevo a passagem de música, e que será intensamente actualizado.

Bem vindos de novo.